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  • Ricardo Neves

Fins e significados



Em “CEO Virtual: lições de liderança para o mundo pós-pandemia” eu conto que tive a sorte na vida de encontrar, ao longo do caminho, mais duas mães, além daquela na qual fui gerado. Uma delas foi a Maura, que me acolheu em sua casa como um filho quando vendi o quase nada que tinha para realizar o sonho de estudar nos Estados Unidos. Essa ação de amor resultou em uma amizade de toda a vida com toda sua família, que passou a ser minha também.


Há pouco mais de um mês, Maurinha [ como era por todos chamada] nos deixou depois de um longo período lidando com os desafios do Alzheimer. Nos últimos dias de vida, tive o privilégio de poder visitá-la. Na mesma casa em que havia sido recebido 30 anos atrás, ao lado de seu atual marido Mike, cozinhamos a receita de “sirizada” que ela gostava de fazer e compartilhamos uma refeição memorável. Que a mente humana tem seus mistérios, todos sabemos, mas algumas vivências nos fazem entender que a vida pode ser muito maior do que o que enxergamos na materialidade.


Maurinha já não reconhecia ninguém e nem pronunciava


muitas palavras. Quando experimentou a primeira colher da sirizada em sua boca, fechou ou olhos e disse “que delícia!”, emocionada, numa clara demonstração de memória e afeto. Aquele sabor a afetou e aquela cena sempre me afetará quando me lembrar dela.


Recentemente, estive de volta à casa dela para uma cerimônia de despedida oficial: um Memorial [ algo bem diferente de nossa tradição brasileira de velório ]. Estavam lá família e amigos próximos. Todos empenhados em “celebrar” a vida da Maurinha. Comemorar no sentido de recordar junto.


Como vemos nos filmes, nessas ocasiões, os presentes contam histórias do ente que partiu, relembram momentos, reveem fotos, leem antigas cartas, enfim, tudo que homenageie aquela existência. Uma farta mesa de comidas fica disposta para a família e os convidados, que normalmente trazem algo consigo para complementá-la. Assim, como todo processo de luto, passam a se despedir de uma parte de si mesmos, já que quando alguém morre, morre também uma parte de nós. Eu deixei de ser o filho adotivo ao perdê-la.


Essas linhas podem parecer que nada têm a ver com uma rede de trabalho como o Linkedin, mas te convido a continuar comigo. Quantas perdas vivemos ao longo de nossas vidas corporativas? Quantos chefes mudam de lugar, de empresa, quantas vezes nós mesmos mudamos e sempre há, dentro de nós, uma sensação de orfandade?


Todo mundo que parte de nossas vidas e que significoualgo para nós deixa um vácuo. Há saídas planejadas, há outras traumáticas, inesperadas. É fundamental sempre pensarmos nos fechamentos, nas cerimônias de encerramento, quando temos a oportunidade de dar significado às experiências vividas em conjunto. Foi isso que me dei conta e aprendi mais recentemente.


O processo sucessório é parte da responsabilidade de um líder, pois acredito que a perenidade do sucesso do seu time, no final do dia, é o maior legado que um líder pode deixar. Ao entrarmos em um novo desafio, rapidamente queremos entender melhor as capacidades dos membros do time e como vamos tirar o melhor de cada um para o objetivo do grupo. Nesse primeiro momento, normalmente não refletimos sobre a nossa própria finitude como liderança do grupo. Sem dúvida, é natural, afinal: Para que que vou pensar no fim se estou apenas no começo?”. Neste momento vale lembrar de um bom ditado que diz: “beggin with the end in mind!”*.


O que posso agregar para esse time, enquanto estou sendo sua liderança? Quais os novos papéis que alguns deles poderão exercer durante essa jornada, que os prepararão para tomar novas posições no futuro? Quando acredito que poderei ser “dispensável” por esse time para que possa assumir novos desafios?!


Eu vivi bem isso, quando tirei um ano sabático para acompanhar minha esposa, Claudia, a um programa de pesquisa por um ano numa universidade americana. Mesmo sendo algo temporário, lembro como foi importante fazer inclusive um trabalho de teambuilding para prepará-los para a “ausência do líder”, demonstrando que haveria novas oportunidades de crescimento a todos. Um dos meus maiores orgulho como líder foi ver que, em minha ausência, o time seguiu se desenvolvendo e os resultados continuaram em rota de sucesso. Lembro da frase de Alex Atala, o famoso chef de cozinha do DOM: “hoje, meu restaurante já vive sem mim, eu é que não vivo sem ele”.


Se você é um líder, uma sugestão: não abandone as pessoas com as quais um dia você se relacionou. Por mais que você possa estar alçando lindos voos da própria trajetória, dedique tempo ao fechamento, com presença. Escute as pessoas, fale sobre elas, signifique. Se você é um líder e foi desligado da empresa também não vá embora sem se despedir adequadamente de seu time. As pessoas são sempre muito mais importantes e são essas histórias que fazem a


vida valer a pena.


Um brinde, de Mimosa**, à Maurinha!


* Para mim, este é um dos capítulos mais interessante do Best Seller & Hábitos de Pessoas Altamente Eficazes do Stephen R. Covey, vale a pena a leitura do livro em especial a reflexão nos parágrafos iniciais do segundo capítulo


** Mimosa é um drink preparado com espumante e suco de laranja, muito servido em brunch e que Maura me apresentou há mais de 30 anos!


1 comentário

1 Comment


silvio.deangelis.partner
Oct 21, 2022

Que bela reflexão, Ricardo. Demonstra o esplêndido momento que você vive, desfrutando o caminho e repartindo o aprendizado.

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