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Ricardo Neves

Precisamos parar e pensar: O que faremos com a Inteligência Artificial?



 

“Todo dia ela faz tudo sempre igual” diz a música de Chico Buarque. Tomo emprestado esse

verso para pensarmos juntos no que a IA pode fazer diferente para nós humanos. Ou melhor, potencialmente ser para a humanidade no futuro.

 

Antes de mais nada, é importante lembrar que a IA (ainda) segue instruções para seu aprendizado. Foi fruto de tecnologias originalmente criadas a partir da analogia do pensamento humano, as redes neurais. Neste sentido, criamos os computadores a nossa imagem e semelhança. 

 

Vale aqui honrar o cientista que formalizou os conceitos de algoritmos em meados do século XX, Alan Turing: matemático, filósofo e biólogo britânico. É considerado um dos pais da Inteligência Artificial e grande parte de seu trabalho sempre esteve coberto pela Lei de Segredos Oficiais inglesa, dada a relevância do que fazia em um contexto da Segunda Guerra Mundial (WWII).

 

Apesar de seus serviços em prol da humanidade, Turing foi absolutamente maltratado pelo Reino Unido, condenado judicialmente em 1952 por "indecência grosseira", devido ao fato de ser homossexual, considerado um crime na época*. Como alternativa à prisão, aceitou a castração química... 

 

Seres humanos, como fomos (e ainda somos) capazes de tanta falta de “inteligência humana”?

 

Voltemos, então, aos computadores, criados por nós, mas hoje não mais a nossa semelhança: a recentemente popular IA Generativa é impressionante porque se dá por base estatística alimentada por um imenso volume dados, com uma tecnologia chamada Transformers. 

 

Simplificando, o computador está programado para responder perguntas como: neste contexto, estatisticamente, qual a palavra que seguiria esta? Com base nas bilhões de informações “aprendidas”, qual melhor frase após essa última? E assim vai propondo e respondendo com conteúdos a essas perguntas, para nosso encantamento e muitas vezes, assombro. Porém, sendo baseada nos dados que lhe foram alimentados e que não há nenhum real raciocínio, ocorrem “erros estatísticos” (chamados de “alucinações”) que geram informações falsas, mas que podem parecer bem plausíveis e coerentes.

 

A IA é uma nova tecnologia (ainda emergente, muito mais vem pela frente!) que pode, assim como as demais tecnologias, ajudar o ser humano em sua evolução. Todas as tecnologias nos ajudaram a, de alguma forma, evoluir. 

 

Por exemplo, as Neurociências afirmam que o fogo, e a consequente cocção dos alimentos, possibilitaram o desenvolvimento intelectual humano, já que alimentos cozidos facilitam a digestão. Se não fosse o fogo, teríamos de passar quase que o dia todo comendo para gerar a energia necessária para as atividades que desenvolvemos. 

  

A Inteligência Artificial é um novo fogo, pode nos deixar ainda mais inteligentes e pode também nos queimar. Uma importante reflexão no momento sobre este tema, que ocupa fóruns em todo o mundo, é com quais informações vamos alimentá-la? É a partir do melhor que podemos criar, da visão mais ética e humanamente justa, ou do horror que o ser humano também é capaz de promover?

 

No passado, lamentavelmente, vimos algoritmos negar crédito em maior volume a pessoas negras... injustiças como essa precisam ser evitadas com todas nossas forças intelectuais e tecnológicas. A tecnologia não pode repetir nosso preconceito histórico ou estrutural. Se um usuário pedir informações sobre como cometer crimes, a IA deve ser instruída a negar essas informações e dissuadi-lo de cometer tais atos. A IA deveria também auxiliar com boas palavras e orientações de grupos de apoio, a pessoas em crise que busquem informações sobre suicídio, por exemplo. Algumas hoje, com maior ou menor eficiência, já fazem isso.

 

Reforço: precisamos cuidar do desenvolvimento da IA, a partir de um olhar ético e humanamente justo. Quais palavras estatisticamente seguem a palavra “ladrão”? Qual foto é atribuída a essa mesma palavra? Estaremos confirmando preconceitos ou repensando crenças? Precisamos pensar rapidamente essas questões para que a IA seja uma também aliada pela diversidade e inclusão.

 

Gosto de imaginar como integrar inteligências, a humana e a artificial, de forma colaborativa em uma inteligência maior que está sendo chamada de “coletiva”. Além da inegável eficiência no trabalho em tarefas repetitivas ou decisões baseadas em dados, o que a IA pode fazer em parceria com o homem, com sua visão criativa e realmente humana, cada um usando de seu melhor potencial?

 

Quero acreditar que a IA possa ser usada adequadamente, por exemplo, na gestão de pessoas e assim ajudar uma equipe a ser mais produtiva e feliz. Por exemplo, se uma liderança está ocupada demais para perceber sinais de insatisfação de uma pessoa do time, a AI pode, por meio do diagnóstico das microexpressões faciais, sugerir ao líder que converse com tal integrante da equipe. Talvez proponha tópicos ou um racional para conversa sobre o possível sentimento expresso em microssegundos e capturado pelas lentes: raiva, tristeza, medo, surpresa, alegria, desprezo. O gestor ainda estará no comando, mas terá um bom aliado para “cutucá-lo” (“nudge”, como dizem os americanos) sobre coisas que não esteja percebendo em seu time.

 

A partir dessa perspectiva, a IA pode ser considerada uma nova integrante da equipe, um assistente 24x7 de RH da equipe, por exemplo. Ah, e pode também ser um excelente assistente administrativo, sumarizando reuniões, fazendo a to do list, criando cronogramas e ainda fazendo follow up ao longo dos dias subsequentes às reuniões. A Microsoft já está em modo piloto do lançamento do Ofice365 CoPilot, uma IA dedicada a isso em seus softwares.

 

Imagine, como gestor, poder ter uma IA para fazer follow ups e dedicar mais tempo para chamar aquela pessoa do time para conversar com calma sobre seus sentimentos, desejos, sonhos, insatisfações?

As reuniões online e seus gestores nunca mais serão os mesmos!

Estou olhando apenas a metade do copo cheio? Vamos lá: há o medo de que ela substitua alguns dos atuais empregos, como por exemplo os programadores, já que poderá gerar mais rápida e eficientemente códigos de aplicativos. Testes que já começam a ser feitos dizem que não é bem assim. A IA é muito mais eficiente para corrigir erros primários dos programadores juniores do que auxiliar os sêniores, por exemplo. Boa notícia para quem já está na estrada há tempos e também para aqueles iniciantes que poderão mais rapidamente aprender com um “co-piloto” experiente ao seu lado. 

 

Aqui, novamente, a inteligência coletiva será mais forte que a do homem ou da máquina individualmente. Mas dada essa maior produtividade, será que precisaremos de menos programadores?! Penso que não, pois em minha visão os projetos ficarão mais abrangentes e desafiadores para resolver problemas que antes não eram economicamente ou tecnicamente viáveis de serem endereçados. Isso vai continuar a exigir mais duplas de humanos & IA juntos nesses novos e maiores desafios. 

 

Claro, é assustador pensar que esse membro da equipe pode saber infinitamente “mais de nós que nós mesmos” em alguns aspectos. Mas é disso que é feito um time. Talentos que trazem suas competências individuais para serem orquestradas em prol de um objetivo comum. A gestão e sinergias desses mais potentes talentos continuará a ser o grande desafio dos gestores daqui para frente. 

  

Quero apostar na inteligência coletiva, na qual o melhor da Humanidade pode se unir ao melhor da tecnologia num único time. Deixemos de lado o binarismo, a polaridade, a exclusão e passemos a cocriar utilizando o melhor dos universos humano e tecnológico. Se focarmos nisso, creio que poderemos resolver muitos mais dos incontáveis problemas da nossa sociedade dessa forma. 

  

Poderemos, então, ser mais humanos. Desaprender, não repetir automaticamente tudo sempre igual pois há uma inteligência capaz de nos apoiar nisso. Podemos nos dedicar mais à complexidade humana, sobre a qual a IA ainda não dá conta. Poderemos ser mais criativos e teremos mais tempo para olhar para o outro ser humano, ser mais compassivos.

 

A profunda tristeza de seu criador, Alan Turing, encontrado morto, aos 42 anos, envenenado por cianeto, poderia ter sido capturada pela IA e uma conversa de apoio poderia ter sido estabelecida? Quantos mais conceitos e inovações Turing poderia ter criado se não houvesse cometido suicídio?

 

Que possamos honrar essa criação humana, concebida originalmente a sua imagem e semelhança. Jean Paul Sartre, filósofo, já nos explicou: ⁠”Não importa o que a vida fez de você, mas o que você faz com o que a vida fez de você”. 

 

Então, precisamos nos responder: O que faremos com a vida que a IA fará das nossas daqui em diante?

 

 

PS*: A criminalização da homossexualidade no Reino Unido foi revogada ao longo do século passado em várias legislações nos seus diversos países. Porém, ainda hoje há vários países no mundo que punem, até com pena de morte, relações entre pessoas do mesmo sexo.

 

 

 

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